terça-feira, 9 de setembro de 2008

Pensamentos – heloisa ausier

Se eu estivesse menos cansada de tentar roubar seus pensamentos. Meus olhos e minhas verdades não seriam tão complicados e tão patéticos, como um ladrão flagrado no meio da noite. Quem roubou minha fé no que sabia ser o certo? Nem sei onde foi parar aquela criança que um dia fui, eu não a queria perder e não desisto dela enquanto algum sol nascer.
Meu coração pode viver apertado, e minha pele estar dura de tanta dor, mas meu amor é cego e sempre posso voltar para a cena de um crime perfeito. Essa sensação de déjà-vu só me incomoda enquanto não estou conectada. E estou conectada a ela. É cósmico? É kármico? É químico? É térmico! Me esquenta a alma e me aquece as entranhas. Sinto seus braços, ouço sua voz, sinto suas mãos, beijo-a sentindo-a em mim.
O que anda na sua cabeça? Se eu estivesse menos cansada tentaria ler seus pensamentos. Como um toque invisível na minha nuca, sinto seu amor, sinto seu ódio, sinto seu norte e sul, sinto sua fome e êxtase. Quando ela apaga as luzes sou capaz de roubar seus sonhos e me entranho nos seus cabelos. Posso ver coisas que nunca imaginaria ver. É kármico? É químico? É cósmico? É poético! Pura poesia o que anda na minha cabeça e ela não consegue ver.
Que conexão é essa? Sou sua mulher refletida em você, como a lua num pequeno lago numa noite quente. Pode ver coisas que nunca imaginou ver. É muito mais mulher do que sempre pretendeu ser. No sonho, ela está apaixonada, está sofrendo, e é a mesma coisa. Tudo que eu vejo é um fantasma solitário que não me vê, nem me sente, nem pode me ouvir. Só consegue ouvir o barulho da chuva e os passos no sótão. Só consigo ver as sombras nas calçadas e a neblina espessa. Sou a mulher refletida nela. Procuro em vão, tento quantas vezes agüentar e não roubo seus pensamentos. Mas as lágrimas, como a chuva, continuam caindo de meus olhos, de seus olhos. Penso ver sua face, mas tudo o que vejo são suas imagens nubladas e tudo o que ouço são vozes do sótão e seu coração batendo.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Um jeans na janela – heloisa ausier

Nem era preciso olhar o relógio que eu já não levava no pulso há anos. Devia ser umas oito horas da noite. A musica de introdução da novela tinha tocado alguns minutos atrás na televisão do vizinho. Me atirei no sofá de veludo roto de uma cor indecifrável como quase todas as cores daquele apartamento. Sabia que tinha algumas louças de vários dias amontoadas na pia da cozinha por lavar. Não tinha ânimo pra fazer nada, muito menos lavar alguma coisa. O sentimento de vazio aumentava a cada dia. Acendi mais um cigarro. Já estava no meio do segundo maço e no começo da noite. A televisão era minha única companheira nas noites intermináveis. Levantei pra pegar um ansiolítico. Porque ansiedade? Não tenho a menor idéia. Minha vida não mudava e nem poderia mudar há tanto tempo, que não havia razão para ansiedade. Distraidamente olhei pela janela.
Foi ai que a vi, ou melhor, vi suas pernas estendidas na cama. Quem era aquela mulher que estava deitada num apartamento vizinho uns dois andares abaixo do meu e que eu nunca tinha visto. Estava vestida com uma calça jeans, sem sapatos. Isso era tudo que eu conseguia ver. Prestei atenção em seus pés. Bonitos com aparência macia. Pés bem tratados de unhas feitas e esmalte claro. A calça jeans ligeiramente desbotada era justa em suas pernas. Ela girou o corpo e suas pernas acompanharam o giro. Estava agora quase de costas pra mim e parecia se esticar para pegar alguma coisa do seu lado direito. Talvez fosse um livro. Se mexeu novamente voltando a posição original, mas descendo um pouco o corpo. Agora eu conseguia ver seu corpo até quase a cintura. Via até onde a camiseta branca encontrava a calça de cintura baixa. A camiseta, com o movimento, subiu um pouco deixando mais uma nesga de seu corpo aparecendo. Não conseguia afastar o olhar. Esqueci do remédio. Peguei apenas um copo d’água e continuei na janela torcendo para que as cortinas daquela casa nunca fossem fechadas. Ela então dobrou uma das pernas. Parecia não achar uma posição confortável. Com dedos experientes desabotoou a calça e em apenas um movimento puxou o zíper para baixo. Respirei fundo e empurrei os óculos como se isso pudesse me fazer enxergar melhor. Agora era possível eu ver um pedaço maior em forma de “v” de seu corpo, até encontrar sua calcinha. A calcinha era preta e contrastava com seu corpo claro. Era bem mais baixa que o cós da calça e deixava a mostra uma penugem alourada. Imaginei onde aquela penugem ia dar e me deu um arrepio. Ela se mexeu novamente. Me deu a impressão de que a calça tinha descido mais um pouco. Fixei a vista. Não queria perder nem um milímetro daquela visão. Sim, a calça tinha realmente descido um pouco mais, pois agora via melhor suas curvas definidas. Com um movimento gracioso se virou de bruços. Seu rego aparecia tão ligeiramente que pensei ser minha imaginação. Sua bundinha empinada me trazia pensamentos libidinosos. Novo arrepio subiu pelas minhas costas. Meu coração disparou como o de um adolescente em véspera de um primeiro beijo.
Em minha imaginação puxei sua calça mais pra baixo e pude ver toda sua calcinha. Cheguei minha boca perto de seu rego que se mostrou ainda mais ao me sentir chegar. Mordi sua calcinha e a puxei pra baixo. Seu quadril se mexeu como quem pede mais. Corri minha língua em sua pele macia. Excitada, aumentou o ritmo. Sentia seu perfume de mulher enquanto minha língua procurava um lugar mais úmido.
Minha imaginação se misturava com minha visão de tal maneira que não sabia mais se aqueles quadris estavam se mexendo pra mim ou não. Não importava. Era assim que os via. Desci mais sua calcinha e senti sua umidade em minha boca. Ela estava pronta para mim. A penetrei por trás enquanto mordia sua nuca. Mergulhei meu rosto em seus cabelos sedosos enquanto tocava seus seios. Ela se deixava penetrar como se tivesse sido sempre minha.
Uma campainha tocou e me trouxe de volta a realidade. Já não a via mais. Onde ela estaria? Não voltou a se deitar naquela noite antes de fechar a cortina do quarto. Fui tomar um banho morno.
No dia seguinte ao chegar do trabalho tomei o elevador e logo atrás de mim entraram vários moradores. Uma mulher me olhou com curiosidade. Reparei que estava de jeans. Era o mesmo jeans que tinha visto na outra noite. Foi ela que puxou conversa.
“Era você que estava ontem olhando distraído na janela?” – perguntou
“Era sim.” – respondi sem graça.
“Acabei de me mudar para essa cidade e não conheço ninguém.” – disse ela
“Moro aqui há anos e também não conheço muita gente. Que tal sairmos pra bater papo. Conheço um barzinho...”
“Acho ótimo, vou tomar um banho, trocar de roupa e te encontro na portaria daqui a uma hora, tudo bem?”
“Posso te pedir uma coisa? Não troque esse jeans” – falei sem jeito
Ela deu um sorriso e saltou em seu andar.