quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Um lindo presente de Natal!

Claro que todos gostamos de ganhar presentes, mas ainda gostamos mais quando o presente é feito especialmente pra gente. Esses versos foram feitos para mim por uma amiga-irmã, que me deu há anos um dos melhores presentes da minha vida, uma sobrinha-afilhada maravilhosa. Hoje, além de nossa ligação por termos uma paixão em comum, filha dela-minha sobrinha, somos colegas de blog, amigas de escritos e contos e amantes das letras em geral.
Valeu, m'irmãzinha!
Vale a pena conferir seus escritos:
http://arte-final.blogspot.com/

Desejos para sempre - Carmen Bentes

Eu lhe desejo cheiro de mato
Sentir a areia sem o sapato
Feijoada quentinha
Transbordando do prato.
Eu lhe desejo chuva fininha
Dvd, edredons, alecrim
Dia de preguiça
Com o amor na caminha
Eu lhe desejo boca carnuda
Pele macia, sexo proibido
Beijo molhado e bem roubado
Tesão sem controle que tudo muda
Eu lhe desejo a paz da sensatez
O amor verdadeiro de rotina gostosa
Dinheiro, fartura, cofre de porquinho
Enfim a felicidade de vez!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Para o Yuki!

Meu amigo, não estou inspirada e não conseguiria de qualquer maneira traduzir em palavras a dor que sinto por ter te perdido. Pelo menos preciso falar o quanto você era bonito, altivo e meigo. Olhos da cor de mel, doces e carentes. Você foi um presente que Deus me deu sem eu esperar e foi muito bom. Não reclamo se ele me tirou assim como deu... de repente... O tempo que você ficou comigo valeu cada minuto. Desejo que você esteja agora junto a todos que já me deixaram... todos juntos e protegidos por São Francisco... Com certeza Yuki você estará sempre no meu coração!

domingo, 9 de dezembro de 2007

Achei lindo... postei!

Tu já tinhas um nome, e eu não sei
se eras fontes ou brisa ou mar ou flor.
Nos meus versos chamar-te-ei amor.

Eugênio de Andrade

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Pra que ecstasy se tenho punk rock? - heloisa ausier

A música é meu ópio e meu ecstasy... Fico deslumbrada com harmonias bonitas e melodias que fogem ao lugar comum. AH! tem as letras também... muitas me fascinam... Aliás lugar comum não me interessa! De lugar comum gosto apenas de calça jeans, feijão com arroz e sexo, não nessa ordem é claro... fora isso quero mais é o alternativo!
O punk rock há algum tempo me alucina... e me acompanha... tô doida? NÃO! O punk rock me acha onde eu estiver! Outro dia estava eu, lá na minha cama grande e gostosa com minha cachorrinha Alice B. Toklas (tá rindo? é o nome dela) me cutucando e vendo alguns seriados enlatados totalmente anti-tudo e cheios de revólveres e tiros, mas ótimos pra gente se esquecer do mundo em que vive... eis que na hora do anuncio rola um som maneiríssimo... meio punk meio pop... pensei... deve ser uma nova do P!ATD*. E o anúncio continuou rolando dia após dia e eu cada vez mais curiosa... Claro que fui googlar... coloquei uma frase da letra e lá estava... Good Charlotte** é o nome da banda... Misery o nome da dita musica. You Tubey geral... Achei um video, baixei, gravei e tô ouvindo...
E minha vida é assim... se me pego meio desanimada... Punk na veia ou na véia como preferirem, já que estou entrada em anos como diria minha mãe. "Too old to rock'nroll, too young to die" cantava Ian Anderson.
Ainda ontem lá estava a deprê me encarando como uma pantera encara uma presa. A vida empacada entre os prós e contras de várias alternativas... Um monte de coisas pra fazer e um desânimo danado... Coloquei o "American Idiot" do Green Day*** e de repente estava cantando junto com eles... estava em êxtase e aí não há pantera que me encare! É claro que os caras são geniais... conseguiram traduzir toda a incoerência, imbecilidade e hipocrisia dos americanos bushnianos que nos levaram ao 11 de setembro. Pra mim este álbum é o Sgt. Peppers dessa década. Uma espécie de ópera rock sem começo meio ou fim, numa anarquia melodiosa e harmonia precisa. Meu beijo especial para Billie Joe Armstrong, Mike Dirnt e Tré Cool... vocês me fazem muito bem!

* P!ATD = Panic! At The Disco - Punk/Pop - No álbum de estréia "A Fever You Can't Sweat Out" tem a genial Lying is the Most Fun a Girl Can Have Without Taking Her Clothes Off. A letra é ótima... Muito doida essa banda.
** Good Charlotte - Banda Punk/Pop com quatro álbuns lançados. O último Good Morning Revival vem com a música Misery que aparece no comercial da Universal Channel.
*** Green Day - Banda de Punk Rock. Nenhum comentário aqui poderia dizer tudo o que a banda representa. Seus primeiros álbuns são ótimos, aí de repente lançam o "Dookie" com a clássica "Basket Case". Sucesso no mundo todo! Quando depois de alguns outros álbuns tão bons quanto o Dookie, os caras lançaram American Idiot não deu pra acreditar. É um álbum para se ouvir do começo ao fim sem interrupções e com as letras na mão... não dá pra ser de outro jeito. Tudo é bom nele. Ninguém é poupado... não há meias palavras... então "Wake Me Up When September Ends".

sábado, 10 de novembro de 2007

A Garota que não ganhou o Ken – heloisa ausier

O letreiro de néon piscava freneticamente como nos últimos meses. Guida pegou outra cerveja. Por mais que tivesse uma boa luz de spot por cima de sua mesa, ficava difícil desenhar bem com o letreiro piscando desse jeito. Poderia desligá-lo, mas muitas pessoas vinham por causa dele. Era uma ótima publicidade, mas pelo amor de Deus... Podia pelo menos consertar essa geringonça. Aquele desenho “tava” mesmo difícil de sair e o pior é que o cliente tinha ligado e avisado que ia chegar por volta de dez da manhã... Que hora pra chegar! Que “nerd” era esse, que acordava tão cedo assim. Só faltava ser filhinho de papai.
Ouviu um miado. Será que o Arnaldo está com fome, pensou consigo mesmo. Anda faminto esse gato! Cadê ele? Ah! Está na janela observando o movimento... E que movimento! O apartamento era um misto de estúdio e moradia e ficava numa rua muito movimentada, em cima de uma lavanderia 24 hs. Pelo menos lavar roupa não era um problema. Para entrar em seu quarto passava-se por seu atelier, onde ficavam, uma bancada, duas cadeiras, um gaveteiro e outros trecos.
Que tal uma pizza, já que ta difícil desenhar com a fome aumentando. Guida tentou fazer as contas de quando tinha comido a última vez e lembrou-se que foi no café da manhã na padaria. Procurou o telefone de uma pizzaria e ligou. Do outro lado uma voz fanhosa pediu seus dados. Fez força para lembrar seu verdadeiro nome. Há muito não usava aquele que tinha sido seu nome de batismo, um “Maria qualquer” desses que tem um monte por aí. Tinha adotado o apelido Guida desde muito nova quando as pessoas se referiam a ela como a neta do Guido. Seu avô era muito conhecido na pequena cidade onde ela nasceu. Era dono do único armazém da cidade. Foi lá que ela aprendeu a dar os primeiros passos, onde treinava caligrafia, e onde olhava os catálogos de brinquedos que seu avô lhe emprestava. Foi assim que se apaixonou pelo Ken.
Foi amor à primeira vista! Nada de bonequinhas com vestidinhos e salto alto. Sim, ela queria o Ken e queria muito. Passou a pedir ao avô sempre o mesmo catálogo. Encabeçando a lista de presentes no aniversário e Natal, vinha sempre o Ken! Quando depois de dois anos sonhando em ter o boneco, um Ken chegou ao armazém de seu avô, Guida achou que finalmente ganharia o boneco. Mas o boneco não era para ela. Era para uma menina de sua turma no colégio. Maldita menina! Duvido que ela soubesse brincar com “ele”. Guida pegou o catálogo e recortou o Ken. Colou o boneco num papelão, levou-o até a linha de trem e colocou-o de tal modo, que quando o trem passasse iria decapitá-lo. Como o trem demorou, tirou o boneco dali e guardou-o sentida. Suas esperanças de ganhar o Ken foram acabando na mesma proporção do dinheiro de seu avô.
Por que o cara do “delivery” estava demorando tanto? O “seu” letreiro piscava três vezes mais rápido que o do outro lado da rua. Guida ouviu vozes altas no corredor. Será que era o vizinho brigando novamente com a amante? Que droga! Com certeza a noite ia ser difícil! Aumentou o som, pegou outra cerveja e sentou-se novamente em sua mesa. Com o nanquim, voltou pacientemente ao desenho. Gostava muito de desenhos celtas, mas esse era difícil. O cara parecia ter conseguido o desenho na internet. Seu contato com ele tinha sido rapidamente por telefone, quando combinaram dele deixar o desenho debaixo de sua porta.
Foi também no armazém do avô que aos treze anos viu pela primeira vez um calendário com mulheres de biquíni, uma tatuagem numa das mulheres chamou-lhe a atenção. Assim que o calendário foi jogado no lixo, Guida recortou a tatuagem e a guardou. Nos quatro anos seguintes juntou milhares de recortes iguais aquele. Antes de completar 18 anos tinha largado a casa dos avós onde morava e foi pra cidade grande. Era lá seu lugar, disso tinha certeza.
O telefone tocou e ela se encaminhou preguiçosamente para atende-lo. Sabia quem era. O namorado tinha se drogado novamente. Não estava mais com saco de aturar neguinho viciado perturbando. O cara era legal. Tocava um violino que era uma maravilha. Tinha conhecido ele num show de punk rock. Onde já se viu um cara que toca violino ir num show de punk rock! Guida gostou disso. Detestava o convencional. Ela mesma de convencional não tinha nada. Seu cabelo mudava de cor conforme as estações do ano. Da última vez tinha pintado de vermelho. Sua franja estava muito curta. Usava um piercing na sobrancelha, vários numa das orelhas e um no umbigo. Tinha decidido há tempos só usar preto, o que a fazia ainda mais magra.
Desligou o telefone com um suspiro, não sabia se de alívio ou de dor. Quando a noite chegasse realmente e o outro lado de sua cama estivesse vazio, iria avaliar a perda, agora era melhor trabalhar. “Cadê a pizza? To morrendo de fome e essa droga de moleque com a pizza que não chega!” Pegou o telefone e discou para a pizzaria novamente. Distraidamente mexeu numa caixa na estante. Lá estavam o boneco de papelão Ken, todas as tatuagens que ela tinha recortado e um colarzinho com um santinho que seu avô tinha lhe dado.
A pizza já estava a caminho, a voz fanhosa anunciou. Foi até a janela. Como o gato conseguia ficar ali e continuar tão calmo. O barulho era intenso e aquelas luzes piscando... Deitou em sua cama para tentar relaxar. Mesmo morando num lugar tão apertado em que a geladeira velha tinha que ficar no quarto e não tinha lugar para cozinhar, gostava de estar em casa. Não se importava de ter pouco espaço já que tinha poucas coisas. Ouviu um barulho de moto mais perto. Devia ser o entregador. Foi para a porta. Em poucos minutos o rapaz tinha subido as escadas. Ele tinha olhos verdes lindos e profundos, os cabelos compridos estavam desgrenhados por causa do capacete e usava uma calça jeans rasgada de tanto uso. Quando entregou a pizza, deu para Guida ver uma tatuagem em seu braço igual a que ela tinha nas costas. O rapaz recebeu o dinheiro dela e perguntou...
_ Você é que é a Guida Tatoo?
_ Sou!
_ Eu sou o cara que você vai tatuar amanhã as dez. – falou o rapaz
_ Como é o teu nome?
_ Meu nome é... não importa... todos me chamam de Ken.

sábado, 13 de outubro de 2007

ENTRE O SAGRADO E O PROFANO - heloisa ausier


Talvez eu tenha começado a gostar de igrejas, mosteiros e coisas assim nos meus melancólicos anos de adolescência quando ainda não tinha nem idéia do que guardavam aquelas paredes cheias de mistérios. Me lembro que li ainda muito criança um livro que eu mal conseguia segurar em minhas pequenas mãos, não só pelo tamanho como pelo peso exagerado. Ele falava sobre a vida de Michelangelo e a pintura da Capela Sistina. Tudo que era descrito no livro me impressionou muito e eu nem percebi na época. Mas como meu segundo nome é dualidade adoro o profano, mas ele tem que vir com arte... O profano com arte é maravilhoso! Não há coisa mais linda que uma bela tatuagem... Não perco um episódio de um seriado que fala sobre tatuados e tatuadores e não vivo sem uma dose de erotismo. Tem coisa mais linda que fotografia erótica em preto e branco? Tudo isso me colore a vida e me completa. Hoje estou interessada em todas as igrejas e mosteiros do mundo, amanhã posso estar obcecada em achar um site com as fotos mais eróticas e artísticas da internet. Não abro mão de sonhar com mais uma tatuagem e ela deve ser uma cruz celta com uma rosa vermelha. Assim terei o sagrado e o profano ao mesmo tempo na minha pele, como os tenho nas minhas veias. Que delicia!

sábado, 22 de setembro de 2007

DIAL À DERIVA - heloisa ausier

Tem dias que a gente acorda com o dial à deriva. Não consegue sintonizar com ninguém. Não estou falando daquele porteiro do prédio ao lado que toca música brega nas manhãs de domingo. Estou falando de não sintonizar com pessoas que a vida inteira estiveram por perto. Estou falando de não sintonizar com o marido ou mulher, com os filhos, ou amigos queridos. Quando estou assim só sintonizo com os bichos. Eles não falam, não emitem opiniões, não nos lembram de nossos defeitos e não interferem no nosso passeio, talvez por isso nunca perca a sintonia com eles.
Hoje acordei com aquela musica do Caetano na cabeça que começa assim... "Rapte-me camaleoa / Adapte-me a uma cama boa..." Na verdade não me importo com um quasar pulsando loa, contanto que seus peitos direitos me olhem assim. Isso foi uma tentativa desesperada de sintonizar, mas meu dial está mesmo à deriva.

domingo, 16 de setembro de 2007

P'ro velho!

Quando eu era criança, nas refeições lá em casa, invariavelmente "brincávamos" de recitar poesias. Meu pai era o mais "fera" e minha irmã não ficava atrás. Essa poesia de Augusto dos Anjos me marcou muito e era uma das prediletas de meu pai. Sabe lá naquela idade, que é mais ou menos a que me encontro agora, quantas decepções ele já tinha sofrido!


Versos Intimos
Augusto dos Anjos

Vês ! Ninguém assitiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável !

Acostuma-te à lama que te espera !
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro
A mão que afaga é a mesma que apedreja

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga
Escarra nessa boca que te beija

sábado, 15 de setembro de 2007

Esperança


ESPERANÇA - Pablo Neruda

Saúdo-te, esperança, tu que vens de longe,
inundas com teu canto os tristes corações,
tu que dás novas asas aos sonhos mais antigos,
tu que nos enches a alma de brancas ilusões.

Saúdo-te, Esperança.
Tu forjarás os sonhos
naquelas solitárias desenganadas vidas,
carentes do possível de um futuro risonho,
naquelas que inda sangram as recentes feridas.

Ao teu sopro divino fugirão as dores
como tímido bando de ninho despojado,
e uma aurora radiante,
com suas belas cores,
anunciará às almas que o amor é chegado.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Melhor pecados, que tragédias! por heloisa ausier

O som do piano ficava cada vez mais perto, como mais perto ficava o rosto dela, o cheiro doce e a voz sempre tão calada. Os dedos saltitavam e as teclas obedeciam. Desobedecia minhas decisões e mesmo merecendo desconfiança, dizia sim e depois não. Mas não havia segredo que interferisse em meus sonhos, simplesmente não podia fazer promessas e não cumpri-las. Mas ela sabia que a amava... Amava o que poderia ter sido de nós! Naquela época, mas não para sempre... Seus toques no piano tinham a delicadeza de quem toca uma boca. O som saltitante enchia cada canto da sala.
Em quantas tragédias o amor poderia se transformar. Preferia o pecado de desejá-la ali com os toques limpos daqueles dedos treinados e delicados, a me calar. Se ela ao menos tivesse um tempo disponível, eu poderia amá-la. De qualquer jeito... Amá-la como amiga. Eu não me importava se ela não se importasse, mas não havia nada de errado comigo. Eu apenas vivia numa fantasia entre a insanidade e a insegurança. A cada toque sutil, um suspiro. A respiração suspensa a cada olhar. E o vazio do desejo a me sufocar. Não sentia vergonha, não ia me desculpar, só precisava de um coração onde pudesse me encostar e uma alma nova. Ela podia ser um anjo ou uma estrela, podia ser uma gota de chuva ou uma tecla daquele piano numa mistura infantil. Esperanças sendo destruídas a cada nota. Morrer de amor me cansava, mas eu não chorava porque ainda havia a criança em mim. Já tinha vivido para o futuro, mas só o presente podia dar a ela. Cada dia me parecia mais perto e mais longe. Quase não me importavam seus gestos, só o toque nas teclas. Mas ela sabia que a amava... Amava o que poderia ter sido de nós! Naquela época, mas não para sempre... Eu já tinha esperado tanto pelas estrelas, pelo desejo nos seus olhos iluminados. Aquelas teclas que não paravam... Aquelas notas que não calavam... Será que ela gostaria de tentar algo novo? Será que minhas perguntas poderiam machucá-la? Por que ela não tocava seus dedos em mim como se minha boca fosse esse piano? Estava na hora de nos darmos uma chance. Como num sonho molhado ela escorria por entre minhas mãos para o piano e as notas saiam secas, secas demais! Apenas esse dia, ela tinha que esquecer nossos pecados, pois eles não podiam virar tragédias. Eu seria uma espécie de voz sublime e ela minha testemunha, leve e plena de liberdade. Quem sabe ela poderia pensar em mim quando estivesse na cama. Quando a luz estivesse apagada e seu coração batesse rápido e seus dedos tocassem sua pele e não mais o piano, ela poderia pensar em mim. E as teclas como que sem perceber meu calor seguiam a desafiar as notas saltitantes num “jeux des vagues” sem fim. Não era exatamente assim que ela me queria ter, onde ela me queria?
Entre a insanidade e a insegurança eu seguia amando, mas não para sempre. Ela sabia que a amava... Me dava um pouco de atenção maliciosa a cada toque. Não tinha escolhido, mas ia tocar com sinceridade, sem promessas, sem lágrimas. Que linda caricatura de intimidade tínhamos naquela época, mas nas sombras dos seus lençóis não eram para mim seus pensamentos. Seguíamos tendo apenas algumas músicas prediletas em comum e aquele sussurro do piano enchendo cada canto da sala. Há quanto tempo eu imaginava que por trás daquele brilho no olhar havia uma garota apaixonada. Quanta expectativa havia nela por toda essa atenção? Corações jovens batem rápido e a espera de um beijo entre cada toque, entre cada olhar, apenas tirava o pouco do fôlego que ainda me restava. Sim, eu preferia os pecados ao invés das tragédias. E que tragédias podiam nos esperar se ela me olhasse com olhos de desejo? Que pecados podíamos abrir mão sem nos desejarmos?
Os sons a cada canto da sala ficavam mais distantes. Não havia mais sorrisos, nem tesão. Os toques nas teclas eram como corações batendo rápido sem saber para onde ir. Já não sentia seu cheiro nem seu calor. Não seria em mim que ela pensaria quando estivesse na cama. Poderia tê-la amado de qualquer jeito. Poderia tê-la amado como amiga. Apenas amava o que poderia ter sido de nós! O resto eram apenas retalhos e “nonsense”.